Os Tribunais Superiores no decorrer dos anos, em
especial o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, vêm
trazendo importantes posicionamentos ao tema “concursos públicos”. São decisões
relevantes que garantem lisura nos certames públicos.
Infelizmente ainda não há no Brasil uma lei geral que
regulamente os concursos públicos. Há inúmeros projetos de lei que tramitam no
Congresso Nacional. O mais relevante é de autoria do Senador Marconi Perillo, o
PL nº 74 de 2010 que pode ser acompanhado no link abaixo:
Sem lei que discipline os concursos, devemos buscar
auxilio da jurisprudência que vem se posicionando a favor de muitos candidatos.
Cito abaixo alguns posicionamentos dos Tribunais
Superiores acerca do tema concursos públicos.
1- Já é pacifico que o diploma ou habilitação legal
para o cargo deve ser exigido somente no momento da posse.
Súmula nº 266 STJ
“O diploma ou habilitação legal para o exercício do
cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público”.
2- O candidato que esteja respondendo a inquérito ou
ação penal não pode ser excluído do concurso.
Julgamento realizado no STF (AI 741.101-Agr/DF, Rel.
Min. Eros Grau)
“O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no
sentido de que a eliminação do candidato de concurso público que esteja
respondendo a inquérito ou ação penal, sem pena condenatória transitada em
julgado, fere o princípio da presunção de inocência”.
3- Somente lei pode fixar limite de idade e de altura
para ingresso em cargo público
Súmula nº 683 do STF
“O Limite de idade para a inscrição em concurso
público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa
ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
É um limite que deve estar previsto em lei.
4- A exigência de exame psicotécnico também deve estar
previsto em lei
Súmula nº 686 do STF
“Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a
habilitação de candidato a cargo público”
5- Candidato com restrição cadastral sem seu nome não
pode ser impedido de participar do concurso
O Conselho Especial do TJDFT declarou a nulidade de
ato administrativo de Secretário do GDF que excluiu uma candidata do concurso
público ao cargo de técnico penitenciário, uma vez que seu nome constava nos
registros de inadimplência no SPC.
O Desembargador George Leite, responsável pela
relatoria do processo nº 20080020155074MSG, explica que a utilização do cheque
há muito deixou de ser uma ordem de pagamento à vista para se constituir em
promessa de pagamento futuro. O magistrado registra que essa é uma prática
consagrada na praxe comercial, que pode, eventualmente, configurar o crime de
estelionato quando se apresenta com dolo preordenado - que ocorre quando o
agente emite o cheque com o intuito de burlar a boa-fé do credor. "O que
poderia efetivamente desaboná-la no exercício da importante função policial
seria a contumácia, a deturpação da personalidade evidenciada na prática
reiterada desse tipo de conduta, que não é o caso", conclui o relator.
6- Posicionamento jurisprudencial já entende que o
Poder Judiciário pode declarar nula questão de prova que esteja em desacordo
com o edital
“Processual Civil. Recurso Especial. Anulação de
questão de prova de concurso público. Legalidade do certame. Análise. Dilação
probatória. Desnecessidade.
Em tema de concurso público, é vedado ao Poder
Judiciário reapreciar as notas de provas atribuídas pela Banca Examinadora,
limitando-se o judicial controlar à
verificação da legalidade do edital e do cumprimento de suas normas pela
comissão responsável.
A
análise da legalidade e da observância das regras do edital, para fins de
anulação de questões de prova, limita-se ao cotejo do conteúdo programático
previsto nas normas editalícias e à matéria contida nas questões formuladas
pela banca examinadora, não requerendo dilação probatória.
Recurso especial conhecido e provido.” (STJ.
Resp. 286344/DF. 6ª Turma. Min.
Rel Vicente Leal. DJ: 05.03.2001, p. 256)
No mesmo sentido:
“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO
DE PROVA OBJETIVA PELO PODER JUDICIÁRIO. ERRO MATERIAL. POSSIBILIDADE. CARÁTER
EXCEPCIONAL. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que,
na hipótese de erro material, considerado aquele perceptível primo ictu oculi,
de plano, sem maiores indagações, pode o Poder Judiciário, excepcionalmente, declarar nula questão de prova objetiva
de concurso público. Precedentes. 2. Recurso especial conhecido e provido.”
(STJ, REsp 722.586/MG, Rel. Min. Arnaldo Menezes Direito, DJ de 03.10.2005)
Nessa mesma linha:
“ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - CONCURSO PÚBLICO
– DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO E EXISTENTE – AUDITOR TRIBUTÁRIO DO DF - PROVA
OBJETIVA – FORMULAÇÃO DOS QUESITOS - DUPLICIDADE DE RESPOSTAS - ERRO MATERIAL -
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DOS ATOS - NULIDADE.
2 – Por se tratar de valoração da prova, ou seja, a
análise da contrariedade a um princípio ou a uma regra jurídica no campo
probatório, porquanto não se pretende que esta seja mesurada, avaliada ou
produzida de forma diversa, e estando comprovada e reconhecida a duplicidade de
respostas, tanto pela r. sentença monocrática, quando pelo v. acórdão de
origem, afasta-se a incidência da Súmula 07/STJ (cf. AG nº 32.496/SP). 3 –
Consoante reiterada orientação deste Tribunal, não compete ao Poder Judiciário
apreciar os critérios utilizados pela Administração na formulação do julgamento
de provas (cf. RMS nºs 5.988/PA e 8.067/MG, entre outros). Porém, isso não se confunde com, estabelecido um critério legal – prova
objetiva, com uma única resposta (Decreto Distrital nº 12.192/90, arts. 33 e
37), estando as questões mal formuladas, ensejando a duplicidade de respostas,
constatada por perícia oficial, não possa o Judiciário, frente ao vício do ato
da Banca Examinadora em mantê-las e à afronta ao princípio da legalidade,
declarar nula tais questões, com atribuição dos pontos a todos os candidatos
(art. 47 do CPC c/c art. 37, parág. único do referido Decreto) e não somente ao
recorrente, como formulado na inicial. 4 – Precedentes do TFR (RO nº
120.606/PE e AC nº 138.542/GO). 5 – Recurso conhecido pela divergência e
parcialmente provido para, reformando o v. acórdão de origem, julgar
procedente, em parte, o pedido a fim de declarar, por erro material, nulas as
questões 01 e 10 do concurso ora sub judice, atribuindo-se a pontuação conforme
supra explicitado, invertendo-se eventuais ônus da sucumbência (grifos
nossos).” (STJ, REsp 174291/DF, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, DJ 29.05.2000)
7- Os candidatos aprovados terão o direito subjetivo a
nomeação nas seguintes hipóteses:
a) Aprovado
dentro do número de vagas;
b) Aprovado no concurso e preterido de forma precária;
c) Direito subjetivo à nomeação para posse que vier a
ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a existir no prazo de
validade do concurso;
d) Nomeação de outras pessoas que não aquelas que
constam da lista classificatória de aprovados no certame público.
Vejamos na íntegra o relatório do informativo nº 636
de 2011 que confirma o direito narrado na alíneas anteriores.
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do
INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal,
divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam
despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Concurso público: vagas previstas em edital e direito
subjetivo à nomeação (Transcrições)
(v. Informativo 635)
RE 598.099/MS
RELATOR: Min. Gilmar Mendes
Relatório: Trata-se de recurso extraordinário contra
acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, reconhecendo o direito subjetivo à
nomeação de candidato aprovado em concurso público, deu provimento a recurso
ordinário em mandado de segurança, para determinar a nomeação do candidato, com
a seguinte ementa:
“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO.
CONCURSO PÚBLICO. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO ENTRE AS VAGAS
PREVISTAS NO EDITAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO PROVIDO.
1. A aprovação
do candidato no limite do número de vagas definido no Edital do concurso gera
em seu favor o direito subjetivo à nomeação para o cargo.
2. As
disposições contidas no Edital vinculam as atividades da Administração, que
está obrigada a prover os cargos com os candidatos aprovados no limite das
vagas previstas. A discricionariedade na nomeação de candidatos só incide em
relação aos classificados nas vagas remanescentes.
3. Não é lícito
à Administração, no prazo de validade do concurso público, simplesmente
omitir-se na prática dos atos de nomeação dos aprovados no limite das vagas
ofertadas, em respeito aos investimentos realizados pelos concursantes, em
termos financeiros, de tempo e emocionais, vem com às suas legítimas
expectativas quanto à assunção do cargo público.
4. Precedentes desta Corte Superior: RMS 15.034/RS e
RMS 10.817/MG.
5. Recurso Ordinário provido” (fl.
126).
No caso, cuida-se de concurso público de provas para o
cargo de Agente Auxiliar de Perícia do Estado do Mato Grosso do Sul, de acordo
com o Edital de Publicação Nº 001/2004 – SEGES/SEJUSP/PC. O certame foi
homologado em 27 de dezembro de 2006 e tinha prazo de validade de 01 (um) ano,
prorrogável por igual período.
O recorrido foi aprovado dentro do número de vagas
estabelecido no edital, mas não foi nomeado pelo ora recorrente.
Sustenta-se, em síntese, que o acórdão recorrido viola
o art. 37, inciso IV, da Constituição Federal, bem como o princípio da
eficiência previsto no caput desse artigo.
Alega-se, também, que a nomeação do candidato por
decisão judicial gera preterição na ordem de classificação dos demais
aprovados.
Defende-se, ainda, o não cabimento de mandado de
segurança, por ausência de direito líquido e certo.
Esses autos foram levados ao Plenário Virtual, pelo
então Relator Min. Menezes Direito, oportunidade em que o Tribunal reconheceu a
existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
Em parecer de fls. 264 a 266, a Procuradoria-Geral da
República manifestou-se pelo não provimento do recurso, afirmando que há
direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas
especificadas no edital.
É o relatório.
Voto: A questão central a ser discutida nestes autos é
se o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas possui
direito subjetivo, ou apenas expectativa de direito, à nomeação.
Não é de hoje que esta Corte debate acerca do direito
à nomeação de candidato aprovado em concurso público.
Na Sessão Plenária de 13.12.1963, foi aprovada a
Súmula 15, cuja redação é a seguinte:
“Dentro prazo de validade do concurso, o candidato
aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem
observância da classificação”.
Dos precedentes que originaram essa Súmula
(ACi-embargos 7387, Rel. Min. Orosimbo Nonato, DJ 5.10.1954; RMS 8724, Rel.
Min. Cândido Motta Filho, DJ 8.9.1961; RMS 8578, Rel. Min. Pedro Chaves, DJ
12.4.1962) extrai-se que a aprovação em concurso dentro das vagas não confere,
por si só, direito à nomeação no cargo.
Assim, pelo menos desde 1954, a Corte já afirmava a
mera expectativa de direito à nomeação do candidato aprovado em concurso
público, transformando essa expectativa em direito subjetivo apenas quando
houvesse preterição na ordem de classificação.
Daí em diante, a jurisprudência tem sido no sentido de
que a aprovação em concurso público não gera, em princípio, direito à nomeação,
constituindo-se em mera expectativa de direito. Nesse sentido cito: RE-AgR
306.938, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJe 11.10.2007; RE-AgR 421.938, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 2.6.2006, este último assim ementado:
“Concurso público: direito à nomeação: Súmula 15-STF.
Firmou-se o entendimento do STF no sentido de que o candidato aprovado em
concurso público, ainda que dentro do número de vagas, torna-se detentor de
mera expectativa de direito, não de direito à nomeação: precedentes. O termo
dos períodos de suspensão das nomeações na esfera da Administração Federal,
ainda quando determinado por decretos editados no prazo de validade do
concurso, não implica, por si só, a prorrogação desse mesmo prazo de validade
pelo tempo correspondente à suspensão”.
A orientação predominante desta Corte, não obstante,
reconhece o direito à nomeação no caso de preterição da ordem de classificação,
inclusive quando provocada por contratação precária.
No recente julgamento da SS-AgR 4196, Rel. Min. Cezar
Peluso, DJe 27.8.2010, o Plenário desta Corte, por decisão unânime, entendeu
que não causa grave lesão à ordem pública a decisão judicial que determina a
observância da ordem classificatória em concurso público, a fim de evitar
preterição de concursados pela contratação de temporários, quando comprovada a
necessidade do serviço. O acórdão restou assim ementado:
“SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. Cargo. Nomeação.
Preterição da ordem de classificação e contratação precária. Fatos não
demonstrados. Segurança concedida em parte. Suspensão. Indeferimento.
Inexistência de lesão à ordem pública. Agravo regimental improvido. Não há
risco de grave lesão à ordem pública na decisão judicial que determina seja observada
a ordem classificatória em concurso público, a fim de evitar preterição de
concursados pela contratação de temporários, quando comprovada a necessidade do
serviço”.
Cito também julgados com votações unânimes das duas
Turmas da Corte: AI-AgR 777.644, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, decisão
unânime, Dje 14.5.2010; e AI-AgR 440.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
Primeira Turma, decisão unânime, DJ 20.10.2006, este último assim ementado:
“Concurso
público: terceirização da vaga: preterição de candidatos aprovados: direito
à nomeação: uma vez comprovada a existência da vaga, sendo esta preenchida,
ainda que precariamente, fica caracterizada a preterição do candidato aprovado
em concurso. 2. Recurso extraordinário: não se presta para o reexame das provas
e fatos em que se fundamentou o acórdão recorrido: incidência da Súmula 279”.
Nesse sentido, de acordo com a
jurisprudência do STF, a nomeação de pessoa não aprovada em concurso configura
preterição na ordem de classificação, em detrimento de candidato regularmente
aprovado.
A jurisprudência do STF, portanto, tem reconhecido o
direito subjetivo à nomeação apenas nas referidas hipóteses: preterição na ordem de classificação e
nomeação de outras pessoas que não aquelas que constam da lista classificatória
de aprovados no certame público.
Divergindo da antiga jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, a 1ª Turma desta Corte
teve a oportunidade de afirmar que candidatos aprovados em concurso público têm
direito subjetivo à nomeação para posse que vier a ser dada nos cargos vagos
existentes ou nos que vierem a existir no prazo de validade do concurso. Assim
foi o julgamento do RE 227.480, Relatora para o acórdão Min. Cármen Lúcia, DJe
21.8.2009, do qual se extrai a seguinte ementa:
“DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE
APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA
DE APROVADOS EM CONCURSO VIGENTE: DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO.
DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS:
NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os candidatos aprovados em concurso público
têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos
vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2.
A recusa da Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes
candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é
suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao
qual se nega provimento”.
Na oportunidade, a eminente Min. Cármen Lúcia
sustentou que “há o direito subjetivo à nomeação, salvo se sobrevier interesse
público que determine que, por uma nova circunstância, o que acontecer na hora
da convocação ponha abaixo o edital”.
Alegou, ainda, que não se trata de direito adquirido,
mas de direito líquido e certo, porquanto “o direito subjetivo pode ser
afrontado por uma nova circunstância da Administração que o impeça e, então,
não haveria um ilícito da Administração”. Afirmou também que, caso não haja
recursos, e ainda assim a Administração lance um edital de concurso, haveria de
se responsabilizar o administrador, e não o candidato.
Importante destacar que ficou consignado nesse voto
que “a Administração não fica obrigada a nomear, a não ser que não haja nada de
novo entre o concurso e a realidade e as condições administrativas”.
Apesar de não encampar a tese do direito líquido e
certo à nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas, o Min.
Ricardo Lewandowski fez consignar que não pode a Administração simplesmente
deixar de nomear candidato aprovado sem nenhuma motivação.
O Min. Ayres Britto, acompanhando a divergência
inaugurada pela Min. Cármen Lúcia, defendeu que “os candidatos não podem ficar
reféns de conduta que, deliberadamente, deixa escoar o prazo de validade do
concurso, para, em seguida, prover os cargos mediante nomeação de novos
concursados, ou o que é muito pior, por meio de inconstitucional provimento
derivado”.
Afirmou, também, que alterações fáticas podem ensejar
mudança de planos, mas esta deve vir acompanhada de uma justa causa. O que
descaracterizaria o direito adquirido à nomeação.
Na ocasião, o Min. Marco Aurélio também votou no
sentido de que há direito subjetivo à nomeação.
Já há, inclusive, decisão monocrática afirmando esse
entendimento. Cito o RE 633.008, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 17.12.2010, do
qual se extrai o seguinte trecho:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. APROVAÇÃO EM
CONCURSO NO NÚMERO DE VAGAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO PARA CARGO. ACÓRDÃO
RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL. RECURSO AO
QUAL SE NEGA SEGUIMENTO”.
Recentemente, no RE 581.113, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado
em 5.4.2011 e noticiado no Informativo nº 622, a 1ª Turma desta Corte reiterou
esse entendimento.
Nesse último caso, o Min. Relator consignou que os
recorrentes foram aprovados fora do número de vagas previstas no edital.
Contudo, por ocasião do surgimento de novas vagas pela
Lei 10.842/2004, o TRE de Santa Catarina utilizava-se de servidores cedidos por
outros órgãos da Administração.
Assim, nota-se que, nesse caso, o direito subjetivo
surgiu em decorrência da preterição, uma vez que havia candidatos aprovados em
concurso válido. O que não se tem admitido é a obrigação da Administração
Pública de nomear candidato aprovado fora do número de vagas previstas no
edital, simplesmente pelo surgimento de vaga, seja por nova lei, seja em
decorrência de vacância. Com efeito, proceder dessa forma seria engessar a
Administração Pública, que perderia sua discricionariedade quanto à melhor
alocação das vagas, inclusive quanto a eventual necessidade de transformação ou
extinção dos cargos vagos.
Na Sessão Plenária de 3.2.2011, ao julgar o MS 24.660,
o Tribunal, por maioria, nos termos do voto condutor da Min. Cármen Lúcia,
concedeu a segurança em caso em que se discutia o direito à nomeação da
impetrante no cargo de Promotora da Justiça Militar, em razão da improcedência
da fundamentação apresentada pela Administração.
Nesse julgamento, a Min. Cármen Lúcia, ao tratar do
art. 37, inciso IV, da Constituição Federal, ressaltou que, “nos termos
constitucionalmente postos, não inibe a abertura de novo concurso a existência
de candidatos classificados em evento ocorrido antes. O que não se permite, no
entanto, no sistema vigente, é que, durante o prazo de validade do primeiro, os
candidatos classificados para os cargos na seleção anterior sejam preteridos
por aprovados em novo certame”.
Citou, ainda, o magistério do Professor Celso Antônio
Bandeira de Mello:
“Como o texto (constitucional) correlacionou tal prioridade
ao mero fato de estar em vigor o prazo de validade, segue-se que, a partir da
Constituição, em qualquer concurso os candidatos estarão disputando tanto as
vagas existentes quando de sua abertura, quanto as que venham a ocorrer ao
longo do seu período de validade, pois, durante esta dilação, novos concursados
não poderiam ocupá-los com postergação dos aprovados em concurso anterior”.
(grifei)
Nessa linha de raciocínio, que segue o caminho dessa
nítida evolução da jurisprudência desta Corte, entendo que o dever de boa-fé da
Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital,
inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente
decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como
princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica
como princípio de proteção à confiança.
Como esta Corte tem afirmado em vários casos, o tema
da segurança jurídica é pedra angular do Estado de Direito sob a forma de
proteção à confiança. É o que destaca Karl Larenz, que tem na consecução da paz
jurídica um elemento nuclear do Estado de Direito material e também vê o
princípio da confiança como aspecto do princípio da segurança:
“O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo
comportamento do outro e não tem mais remédio que protegê-la, porque poder
confiar (...) é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva e uma
conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica.” (Derecho
Justo – Fundamentos de Ética Jurídica. Madri. Civitas, 1985, p. 91)
O autor tedesco prossegue afirmando que o princípio da
confiança tem um componente de ética jurídica, que se expressa no princípio da
boa fé. Diz:
“Dito princípio consagra que uma confiança despertada
de um modo imputável deve ser mantida quando efetivamente se creu nela. A
suscitação da confiança é imputável, quando o que a suscita sabia ou tinha que
saber que o outro ia confiar. Nesta medida é idêntico ao princípio da
confiança. (...) Segundo a opinião atual, [este princípio da boa-fé] se aplica
nas relações jurídicas de direito público”. (Derecho Justo – Fundamentos de
Ética Jurídica. Madri. Civitas, 1985, p. 95 e 96)
Quando a Administração Pública torna público um edital
de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o
preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente
gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas
nesse edital.
Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame
público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de
forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da
segurança jurídica como guia de comportamento.
Isso quer dizer, em outros
termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso
público deve-se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto
subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos.
Ressalte-se, no tocante ao tema, que a própria
Constituição, no art. 37, IV, garante prioridade aos candidatos aprovados em
concurso, nos seguintes termos:
“(...) durante o prazo improrrogável previsto no
edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de
provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para
assumir cargo ou emprego, na carreira”.
Assim, é possível concluir que, dentro do prazo de
validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se
realizará a nomeação, mas não poderá
dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a
constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto
ao poder público.
De fato, se o edital prevê
determinado número de vagas, a Administração vincula-se a essas vagas, uma vez
que, tal como já afirmado pelo Min. Marco Aurélio em outro caso, “o edital de
concurso, desde que consentâneo com a lei de regência em sentido formal e
material, obriga candidatos e Administração Pública” (RE 480.129/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ
23.10.2009).
Nesse sentido, é possível
afirmar que, uma vez publicado o edital do concurso com número específico de
vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame
cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito
à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas.
Esse direito à nomeação surge, portanto, quando se
realizam as seguintes condições fáticas e jurídicas:
a) previsão em edital de número específico de vagas a
serem preenchidas pelos candidatos aprovados no concurso público;
b) realização do certame conforme as regras do edital;
c) homologação do concurso e proclamação dos aprovados
dentro do número de vagas previsto no edital, em ordem de classificação, por
ato inequívoco e público da autoridade administrativa competente.
O direito à nomeação constitui um típico direito
público subjetivo em face do Estado, decorrente do princípio que a Ministra
Cármen Lúcia, em obra doutrinária, cunhou de princípio da acessibilidade aos
cargos públicos (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos
Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva; 1999, p. 143). Na ordem constitucional
brasileira, esse princípio está fundado em alguns princípios informadores da
organização do Poder Público no Estado Democrático de Direito, tais como:
a) o princípio democrático de participação política,
que impõe a participação plural e universal dos cidadãos na estrutura do Poder
Público, na qualidade de servidores públicos;
b) o princípio republicano, que exige a participação
efetiva do cidadão na gestão da coisa pública;
c) o princípio da igualdade, que prescreve a igualdade
de oportunidades no acesso ao serviço público.
Nesses termos, a acessibilidade aos cargos públicos
constitui um direito fundamental expressivo da cidadania, como bem observou a
Ministra Cármen Lúcia na referida obra.
Esse direito representa, dessa forma, uma das faces
mais importantes do status activus dos cidadãos, conforme a conhecida “teoria
dos status” de Jellinek.
A existência de um direito à nomeação, nesse sentido,
limita a discricionariedade do Poder Público quanto à realização e gestão dos
concursos públicos. Respeitada a ordem de classificação, a discricionariedade
da Administração resume-se ao momento da nomeação, nos limites do prazo de
validade do concurso.
Não obstante, quando se diz que a Administração
Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas
previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações
excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente
motivadas de acordo com o interesse público.
Não se pode ignorar que determinadas situações
excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos
servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de
nomeação por parte da Administração Pública, uma vez já preenchidas as
condições acima delineadas, é necessário que a situação justificadora seja
dotada das seguintes características:
a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de
uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do
edital do certame público. Pressupõe-se com isso que, ao tempo da publicação do
edital, a Administração Pública conhece suficientemente a realidade fática e
jurídica que lhe permite oferecer publicamente as vagas para preenchimento via
concurso.
b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada
por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do
edital. Situações corriqueiras ou mudanças normais das circunstâncias sociais,
econômicas e políticas não podem servir de justificativa para que a
Administração Pública descumpra o dever de nomeação dos aprovados no concurso
público conforme as regras do edital.
c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva,
dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital.
Crises econômicas de grandes proporções, guerras, fenômenos naturais que causem
calamidade pública ou comoção interna podem justificar a atuação excepcional
por parte da Administração Pública.
d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de
não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária. Isso
quer dizer que a Administração somente pode adotar tal medida quando
absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para a lidar com a
situação excepcional e imprevisível. Em outros termos, pode-se dizer que essa
medida deve ser sempre a última ratio da Administração Pública.
Tais características podem assim servir de vetores
hermenêuticos para o administrador avaliar, com a devida cautela, a real
necessidade de não cumprimento do dever de nomeação.
De toda forma, o importante é que essa recusa de
nomear candidato aprovado dentro do número de vagas seja devidamente motivada
e, dessa forma, seja passível de controle pelo Poder Judiciário.
Ressalte-se que o dever da Administração e, em
consequência, o direito dos aprovados, não se estende a todas as vagas
existentes, nem sequer àquelas surgidas posteriormente, mas apenas àquelas
expressamente previstas no edital de concurso. Isso porque cabe à Administração
dispor dessas vagas da forma mais adequada, inclusive transformando ou
extinguindo, eventualmente, os respectivos cargos.
Se a Administração, porém, decide preencher aquelas
vagas por meio do necessário concurso, o princípio da boa-fé impõe-se: as vagas
devem ser preenchidas pelos aprovados no certame.
Quanto à alegação de que a nomeação por determinação
judicial implica preterição na ordem de classificação dos demais aprovados, o
recorrente tampouco tem razão.
É pacífica a jurisprudência desta Corte no
sentido de que não se configura preterição quando a Administração realiza
nomeações em observação a decisão judicial. Nesse sentido, cito os seguintes
precedentes: RE-AgR 594.917, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe
25.11.2010; AI-AgR 620.992, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, decisão unânime,
DJe 29.6.2007; RE-AgR 437.403, de minha relatoria, 2ª Turma, decisão unânime,
DJ 5.5.2006.
No que se refere à alegação de indisponibilidade
financeira para nomeação de aprovados em concurso, o Pleno afirmou a presunção
de existência de disponibilidade orçamentária quando há preterição na ordem de
classificação, inclusive decorrente de contratação temporária. Nesse sentido,
cito a ementa da SS-AgR 4189, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 13.8.2010:
“SERVIDOR PÚBLICO. Cargo. Nomeação. Concurso público.
Observância da ordem de classificação. Alegação de lesão à ordem pública.
Efeito multiplicador. Necessidade de comprovação. Contratação de temporários.
Presunção de existência de disponibilidade orçamentária. Violação ao art. 37,
II, da Constituição Federal. Suspensão de Segurança indeferida. Agravo
regimental improvido. Não há risco de
grave lesão à ordem pública na decisão judicial que determina seja observada a
ordem classificatória em concurso público, a fim de evitar a preterição de
concursados pela contratação de temporários, quando comprovada a necessidade do
serviço”.
Destaque-se que as vagas previstas em edital já
pressupõem a existência de cargos e a previsão na Lei Orçamentária, razão pela
qual a simples alegação de indisponibilidade financeira, desacompanhada de
elementos concretos, tampouco retira a obrigação da administração de nomear os
candidatos aprovados.
Também não incide, na espécie, o óbice do § 2º do art.
7º da Lei 12.016/2009. Assim é a jurisprudência desta Corte, no sentido de que
o pedido de nomeação e posse em cargo público para o qual o candidato fora
aprovado em concurso público, dentro do número de vagas, não se confunde com o
pagamento de vencimentos, que é mera consequência lógica da investidura no
cargo para o qual concorreu. Nessa toada, cito Rcl 6138, Rel. Min. Cármen
Lúcia, decisão unânime deste Plenário, DJe 18.6.2010, assim ementado:
“RECLAMAÇÃO. TUTELA ANTECIPADA EM MANDADO DE
SEGURANÇA. NOMEAÇÃO DE CANDIDATA APROVADA EM CONCURSO PÚBLICO DENTRO DO NÚMERO
DE VAGAS. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO PROFERIDA NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO
DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 4/DF. INOCORRÊNCIA. RECLAMAÇÃO
IMPROCEDENTE. 1. O pedido de nomeação e posse em cargo público para o qual a
candidata fora aprovada em concurso público, dentro do número de vagas, não se
confunde com o pagamento de vencimentos, que é mera conseqüência lógica da
investidura no cargo para o qual concorreu. 2. As conseqüências decorrentes do
ato de nomeação não evidenciam desrespeito à decisão proferida nos autos da
Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 4/DF. Precedentes. 3. Reclamação
julgada improcedente, prejudicado o exame do agravo regimental”.
Em síntese, entendo que a Administração Pública está
vinculada às normas do edital, ficando inclusive obrigada a preencher as vagas
previstas para o certame dentro do prazo de validade do concurso. Essa
obrigação só pode ser afastada diante de excepcional justificativa, o que, no
caso, não ocorreu.
Por fim, deixo consignado que esse entendimento, na
medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece
e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público,
que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade
da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável
conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo
Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de
garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos.
O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação
deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o
estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância
dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos.
O princípio constitucional do concurso público é
fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais
que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade,
isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação
representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do
concurso público.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso
extraordinário para manter o acórdão recorrido.
É como voto.
(Grifo nosso)
Fonte: STF
Fabio Ximenes é advogado especialista em concursos públicos.
Atua também prestando consultoria em Direito Administrativo.Parecerista.Pós
graduado em Direito Público. Autor de diversos artigos envolvendo o serviço público.
Professor de Direito Administrativo.
Autor dos seguintes blogs:
Contatos: fabioximenes.adv@gmail.com
fabio@guerraeximenes.com.br